Eventualmente eu reproduzo textos aqui no blog que de alguma forma me inspiram e que eu acho que merecem mais do que um simples #share na semana. Então aqui vai o texto da Nuta Vasconcellos.
Durante toda a minha infância e adolescência, eu nunca fui feliz com o meu corpo. Outro dia, arrumando minha caixa de recordações, encontrei um diário meu de 1995 em que eu escrevi: “Amanhã começo a dieta para ser igual a todas as minhas amigas”. Aquilo me deu um aperto no coração. Em 1995, eu tinha apenas 10 anos, muito nova para me sentir tão diferente de meninas de 10 anos como eu, muito nova para achar que eu precisava mudar para me encaixar.
Sempre fui mais alta que minhas amigas, mais gorda e a única calçando 39. Quando olhava para elas, abria as revistas ou assistia TV, eu nunca me via ali. Cresci “sabendo” que beleza, não era um dos meus atributos, afinal, tudo que representava beleza, eu não me via representada lá. A primeira vez que comecei uma dieta eu tinha apenas 10 anos de idade e desde então, durante toda a minha infância e adolescência isso foi uma constante na minha vida. Dietas, tentativas de me exercitar, engorda, emagrece, toma remédio… enfim, contei sobre isso no post “Nem gorda, nem magra“.
Durante todo esse processo eu ganhei estrias, celulites, flacidez, flacidez nos seios, flacidez nos braços…. Cada dia mais e mais longe do que a mídia me dizia que era bonito. Eu não me achava digna de sair nas fotos com as amigas, não me sentia digna de ir para a piscina, de usar as roupas que eu gostava. Eu não me achava digna de dar mole para o garoto que eu achava gato, não me sentia digna de dançar em público, de colocar um biquini. Veja bem, eu não me sentia DIGNA, o que é totalmente diferente de não sentir vontade. Eu sentia vontade de fazer tudo isso, eu sofria e tinha criado pra mim a regra que eu “não podia” porque não estava dentro do padrão das pessoas que eu via na TV e nas revistas. Eram essas pessoas, da TV e das revistas que usavam biquini, que namoravam, que se exibiam. Portanto, eu deveria me esconder. Quando você acha que não é digna, que tem que se esconder, você passa a se odiar. Odiar o fato de estar presa àquele corpo que não pode viver plenamente.
Eu fui crescendo, mudando meus valores, minhas referências, fui me tornando feminista, descobrindo toda a podridão que cerca a mídia e a indústria cosmética, que se alimenta da baixa autoestima para vender e fui percebendo que éramos todas bonitas. Cada uma com sua particularidade, pontos fortes, mas que ninguém era perfeito, nem mesmo aquelas modelos da capa da VOGUE. Foi um processo até perceber que sim, eu era digna de ser feliz. Que ter celulites, estrias e flacidez era normal e que outras garotas também tinham e se não tinham, com certeza tinham algo que não gostavam nelas também.
Percebi que nada disso era motivo para tortura, para sofrimento. E que meu corpo, era meu e que eu nunca viveria dentro de nenhum outro. Eu não podia odiá-lo. E que a minha vida, era minha, e que eu não poderia deixar ela passar e não viver. Então, de pouquinho e pouquinho, fui mudando meu comportamento e me sentindo livre para aproveitar as coisas que sempre quis. Comecei a reparar e valorizar mais as coisas que eu gostava em mim. Meus cabelos, minha boca, minhas pernas, minha personalidade. E que eu não era só as coisas que eu considerava “defeitos”, como meus braços, meus seios ou meus pés. Autoestima pra mim é isso. É saber que você tem seu valor, sua beleza e principalmente que o amor próprio é essencial para ter uma existência saudável.
Mas isso significa que eu não quero mudar nada em mim? Se amar é essa ideia radical de que se você se submeter a qualquer procedimento, ou dieta não é exemplo de autoestima? De amor próprio? Estou falando disso porque comecei a pensar sobre depois de sempre ver comentários do tipo: “Fulana não é exemplo de empoderamento, faz plásticas”, “sicrana não é exemplo de amor próprio, tá de dieta”. Mas pera aí. Eu amo incondicionalmente a minha mãe. Eu amo meu namorado, amo meus amigos. Mas se eu pudesse, mudaria várias coisas neles. Não esteticamente, o que quero dizer é que AMAR algo não significa achar que aquela coisa deve ser imutável.
Se amar, ter autoestima na minha opinião é saber que você é DIGNA. É saber que se você quiser mudar algo em você é porque VOCÊ deseja e não porque é o que a revista diz, ou porque seu namorado prefere você de cabelos compridos, ou sua mãe acha que você precisa de uma dieta. É ir malhar, não porque você odeia o seu corpo e quer mudá-lo, mas porque você o ama e sabe que se exercitar faz bem pra ele. Se amar, na minha opinião é saber que você até faria uma plástica nos seios, mas não significa que se você não fizer, não vai usar biquini ou ficar nua na frente do seu namorado, ou se olhar no espelho e se achar feia.
Eu quero mudar um monte de coisas em mim. Acho irreal e não humana a ideia de que um dia a gente possa estar 100% satisfeita com quem somos. Digo isso tanto fisicamente, quanto mentalmente, profissionalmente. A gente sempre tem o desejo de mudar algo, em algum campo, melhorar algo, aperfeiçoar. Isso é do ser humano, o que é maravilhoso! Afinal é por causa dessa insatisfação humana que evoluímos em tantos campos da tecnologia e ciência por exemplo.
A Nuta de 10 anos queria mudar, a de hoje, também quer. A diferença é que a de hoje não quer para agradar ninguém, pra se encaixar em nenhum grupo, pra ser digna de nada. A Nuta de 10 anos de idade estava começando a se odiar, um sentimento que eu levei e alimentei durante muitos anos. A de hoje quer mudar porque se ama, porque acha que é digna. Hoje vejo que o corpo é meu e as regras são minhas, inclusive para mudanças. Hoje eu sei que vou me amar com as pessoas me classificando como gorda, como magra, como bonita, como feia… Vou viver do mesmo jeito, aproveitar a vida do mesmo jeito. Mas eu quero ser livre para me experimentar como EU quiser. E se eu quiser fazer dieta pra isso vou fazer, se eu quiser fazer plástica para isso vou fazer. E se eu não quiser, e sentir vontade de comer uma pizza inteira, eu vou comer e ninguém tem nada a ver com isso.
O que constrói uma mulher segura, com amor próprio não é o fato dela ter ou não plásticas, de ela fazer dieta ou não, dela fazer tratamento de celulites ou não. O que constrói uma mulher segura é o fato dela saber quem ela é e o que ELA quer. E continuar se amando, antes, durante e depois de qualquer processo. É saber que toda mudança que você deseja fazer, tem que ser fruto do amor próprio e não do ódio. Afinal, em qualquer peso, com qualquer pele, com qualquer cabelo, você é sempre, sempre digna.