Estava eu na internê da vida, quando me deparei com essa matéria: Thousands of men strip, molest, and sexually assault women in a water park in Ha Noi after they announced a 2-hour free entrance to the park. Depois de ler a matéria fiquei desorientada, enojada e com uma raiva que me motiva a pensar em extermínio. Uma antropóloga disse em uma matéria ao Estadão sobre os estupros de Bill Cosby que a violência sexual persiste porque ensinamos as mulheres a se protegerem, mas nunca os homens a não estuprar.
Mas essa é, infelizmente a nossa realidade, que ensina que mulher não pode andar de roupa curta porque se ela for estuprada é porque estava provocando, “mereceu”. Um país que está mais preocupado em criar cartilha pra cura gay e não em desconstruir o machismo é preocupante. A educação vem de casa, mas pra mim, esse tema deveria ser abordado nas escolas desde sempre, como matéria obrigatória.
Recentemente a novela da Globo, Babilônia tem tratado do tema homossexualismo e machismo. Uma família evangélica que abomina um casal gay, não quer que a filha namore o filho das rotuladas “invertidas”. Parece exagerado mas não é. Essa é a verdade de muitas famílias que preferem dizer “mereceu apanhar, quem manda ser veado” ou “mas também usando essas roupinhas ia acontecer mais cedo ou mais tarde”. Do que entender que todos somos seres humanos, independente da crença, raça ou religião e que temos SIM todo direito de usar roupa curta, de ficar com homem/mulher ou os dois. De transar no primeiro encontro e de ficar com um ou vários em uma noite.
Aliás uma série que tem trabalhado bem o tema é Orange is The New Black, vide esta matéria AQUI.
No mesmo dia me mandaram a matéria de uma menina que foi linchada virtualmente por fazer sexo a três na rua. E nos comentários a reclamação não era por ela estar fazendo sexo em um local público, o que é crime no Brasil com pena cabível de no mínimo três meses e no máximo um ano. Mas sim por ela ser uma mulher que estava transando com dois homens. Contra os dois sujeitos nada foi dito, mas já contra ela as críticas foram duras pra não dizer pesadas e absurdas.
Na matéria acima citada o ápice da minha indignação foi ler de um profissional que deveria ser a “pessoa qualificada” para explicar esse tipo de comportamento e de tratar a mente das garotas que foram molestadas e violadas a seguinte declaração:
A professional psychologist with a Master’s Degree of Education said: “It’s THE GIRLS’ FAULT for not knowing how to protect themselves.”
He said “First thing first about this issue, the one who should be BLAMED THE MOST ARE THE GIRLS, in the environment where people are naked 80% or more, the action (referring to molestation and rape) is inevitable.
Ele diz que as meninas deveriam ser responsabilizadas e que em um ambiente onde todos estão quase nus o estupro é inevitável e que é responsabilidade das meninas saber se proteger (oi?). Levei esse assunto para debate em um grupo de amigas no Facebook e conforme observado por uma delas, imagine a seguinte situação: o cara de boas, mas sem camisa, aí vem uma mina e agarra o pinto dele, é culpa dele porque ele estava sem camisa se “insinuando”. Inverter os papéis mostra o quão absurdo é culpar a vítima porque na cabeça dessas pessoas, não parece ser absurdo.
E o machismo não acontece só do lado masculino não, se a situação hipotética colocada acima acontecesse de fato com um homem, corre o risco de ninguém achar errado o que já é bem errado. Como minha amiga mesmo diz, porque na teoria o homem não rejeita nada.
Não é só a mente masculina que devemos desconstruir é também a mente feminina. Mas não de um jeito violento, enfiando o dedo no olho, quando eu vejo um comentário ignorante, claro que isso me revolta mas eu fico com pena da pessoa que falou, pena da ignorância, da limitação. E ao invés de ir lá xingar ou rebater, se eu entro pra fazer um comentário me preocupo muito em mostrar um argumento plausível, demonstrar um ponto de forma coerente e principalmente de forma desarmada. Vide ESTE TEXTO do Gregório Duvivier “quem não quer ajudar, não atrapalha”.
Conversei com a psicóloga Nathalia Carballeira Pereira, psicóloga mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, com especialização no instituto Junguiano de Zurique, sobre o incidente com as jovens no parque e para ela o estupro é uma violência e como toda violência ela não está meramente conectada a um fator isolado. É uma rede de fatores que envolvem aspectos individuais, sociais e culturais. A vestimenta por si só não seria um argumento válido pelo simples fato de que índios andavam nus e as taxas de estupro entre eles eram baixíssimas; o mesmo em praias de nudismo: lá todos estão com seus corpos a mostra e os índices de violência sexual são ínfimos. Logo, o argumento da roupa provocativa ou propícia já cai por terra quando o assunto é a violência sexual.Um homem que se dá o poder e o direito sobre o corpo de outra pessoa (seja homem ou mulher, sexualmente ou não), não está unicamente movido pela aparência física ou pessoal da vítima. Da mesma forma que as possíveis consequências punitivas por seus atos, tampouco exercerão o controle para que ele deixa de fazê-lo.
Viviane Leone: Você acha que esse tema deveria ser tratado como matéria escolar pra desconstruir a cultura machista?
Nathalia Carballeira: De imediato não sei se concordo com essa idéia porque ela alimenta uma outra idéia da escola como lugar de norma/normatização. Usar de um norma para desconstruir a outra retroalimenta a idéia da lei, do que é certo e errado como “dado”. Se entendi a pergunta, acredito que não semearia a auto-crítica, a auto-consciência e o valor – que é individual e também coletivo- que atribuímos aos outros. Não é algo que é ensinado com a palavra, em uma aula de 50min, entende? Não só as mulheres são violentadas e se tornam invisíveis. Pegue a cidade de SP, quantos invisíveis violentados das mais diversas formas existem? O olhar, o respeito, e empatia, o limite, são semeados ao longo da vida por palavras e também atitudes. Ser coerente é muito mais complexo do que parece. Como humanidade temos um caminho longo a percorrer, mas a longo prazo eu acredito seja viável uma transformação. Eu ja me sinto otimista com o fato das mulheres estarem ganhando maior visibilidade…. é a porta de entrada para o debate e carrega um potencial valioso.
Viviane Leone: Qual é o procedimento psicológico adotado para tratar uma vítima de abuso?
Nathalia Carballeira: Não existe um procedimento psicológico específico para cuidar de uma determinada queixa como uma violência sexual. Até por que cada indivíduo vive uma violência de forma muito particular que pode ou não desencadear outros sintomas e queixas. O que eu posso dizer é que vítimas de violência sexual (principalmente na infância) tem a maior probabilidade de desenvolver alguns quadros psiquiátricos no futuro, por isso, bem como com qualquer outro sintoma é importante que o profissional fique a tento para a possibilidade de um trabalho conjunto com um psiquiatra.
Viviane Leone: Você acha que o argumento de “meu corpo, minhas regras”, acaba deturpando o bom senso das pessoas? Digo isso por causa de uma jovem que fez sexo à três no meio da rua e teve sua relação intima exposta na internet. Independente do corpo ser dela fazer sexo em local público é crime.
Nathalia Carballeira: Vivemos atualmente uma linha muito tênue entre o que é da esfera pública e privada. Os meios digitais e essa nova era da rápida informação contribui para uma fluidez neste campo que nos deixam com muitas perguntas e poucas respostas. Sem dúvida, qualquer sujeito detém o poder sobre seu próprio corpo mas esse indivíduo é também coletivo e está inserido em uma cultura, logo, ele está sujeito as leis da mesma forma que qualquer pessoa. Eu não posso legitimar as minhas próprias vontades individuais em detrimento do coletivo ( se bem que vemos muito isso ultimamente…)
Viviane Leone: Na sua opinião como poderemos combater os extremismos tanto machismo quanto feminismo? É possível chegar a um meio termo?
Nathalia Carballeira: Qualquer extremo já diz de sua própria condição por si mesmo. Eu não penso que são idéias a serem combatidas, e tampouco me daria a licença de avaliar se o “meio termo” seria o ideal, a dialética sugere que da tese surge a antítese e daí, uma nova síntese. Talvez do que precisemos seja de um novo terceiro, ainda desconhecido mas potencialmente presente.
Conversei também com a psicóloga especializada em terapia cognitivo-comportamental Rita K.A Costa que concorda que sexologia deveria ser um curso aplicado. “Já passou da hora de pensarmos de forma diferente a respeito deste tema. Sou favorável a ensinar adolescentes como lidar com sua sexualidade, sem crendices e proibições horrorosas que limitam e causam disfunções”, reforçou.
Para ela essa questão deve ser olhada mais que com atenção, com carinho. “É triste saber que ainda existem pessoas que discriminam e confundem papéis e responsabilidades, como esse psicólogo anônimo”.
O respeito ao corpo também se dá com a autopreservação. Certo que a autonomia pelo corpo é do próprio indivíduo, mas existem regras coabitando determinadas manifestações dessa liberdade.
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Sobre a cultura do #MandaNudes e slut shaming. Quem curtiu o texto vale a pena escutar o programa Emoticon wink. Para ouvir clique AQUI.
Sobre ser mulher, ser gorda e ser jornalista esportiva.